20/11 - Dia Nacional da Consciência Negra
Canto por uma liberdade plena
Sidinei Eduardo Batista
Professor de Literaturas de Língua Portuguesa DALET-PB
Falo de milhões de homens
em quem deliberadamente inculcaram o medo,
o complexo de inferioridade, o tremor,
a prostração, o desespero, o servilismo.
(Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo).
Os primeiros de nós – reis, rainhas, príncipes, princesas, guerreiros e guerreiras -chegaram nesta terra pouco tempo depois que ela foi invadida pelos portugueses. Nossos ancestrais, aqueles que suportaram o flagelo do translado em porões de navios negreiros, aportam neste solo com punhos e tornozelos acorrentados. Eles chegaram com lágrimas nos olhos, corpos surrados...
Mas trouxeram as nossas almas livres!
De sol a sol, sob o som alucinado do chicote, trabalhamos a terra plantando a semente, colhendo o fruto da riqueza, derrubando as matas, abrindo as estradas e erguendo as cidades do que hoje se chama Brasil; embora, assim como os nossos corpos, o fruto de nosso suor não nos pertenceu por mais de eternos trezentos e cinquenta anos.
As nossas almas livres clamaram e os nossos antepassados lutaram por corpos livres!
A liberdade veio?
Veio, todavia, aos moldes daqueles que nos aprisionaram!!
Das senzalas imundas, fomos jogados nas periferias... Das periferias, grande parte de nós, foi para a marginalidade (de um centro que nunca foi nosso), da marginalidade para os presídios e para os manicômios...
Pasmados!!
Sem entender:
Pois, o crime e a loucura, na maioria das vezes, era apenas o desejo de sermos livres plenamente, exercendo o direito de ir, de vir, de entrar, de sair, de comer, de vestir, de morar, de estudar, de compreender, de (RE)EXISTIR...
A nossa sorte é que nossos antepassados eram reis, rainhas, príncipes, princesas, guerreiros e guerreiras... Eles protegeram – com sangue e lágrimas – a música, a dança, a religiosidade, a culinária e, sobretudo, o sortilégio de Nossa Mãe África.
De cada pedaço de pele e gota de sangue que o chicote e o tronco não nos tiraram, ergueu-se a nossa tradição, regamos a nossa fé e mantemos a nossa esperança de, em breve, transformar este país – que construímos rico (e tornado desigual devido aos interesses dos escravocratas) – em um lugar onde cada irmão e irmã (preto e preta) tenha a certeza de que a liberdade pela qual almejamos desde sempre seja não apenas a das nossas almas, mas, acima de tudo, a dos nossos corpos e mentes.
É chegada a hora de nós – descendentes de reis, rainhas, príncipes, princesas, guerreiros e guerreiras – tomarmos os nossos devidos lugares como médicos e médicas, advogados e advogadas, juízes e juízas, engenheiros e engenheiras, professores e professoras; como donos e donas de casa...
Que sejamos admitidos, sem desconfiança, nos empregos, nas escolas, nas universidades, nos comércios e que não tenhamos mais que ouvir: “Você não deveria estar aqui!”
É chegada a hora, irmãos e irmãs:
A luta de nossos antepassados valeu a pena e cabe a nós a continuidade e a conquista da nossa liberdade plena.
Re-existência para todos os filhos de Mãe África!
Zumbi e Dandara dos Palmares, presente!!
Créditos imagem: https://segredosdomundo.r7.com/deuses-africanos/, consultado em 18/11/2024